Reflexão Atual sobre Tempo, Maturidade, Coragem e Amor
Neuza de Oliveira Marsicano
“A vida é muito curta para ser pequena.”
(Benjamin
Disraeli)
O tempo passa, entre os cuidados
recebidos e a aprendizagem da autonomia, desde os primeiros passos,
literalmente. Ali já reside a dicotomia da segurança x liberdade, algo que o
saudoso Zygmunt Bauman tratou de forma brilhante como pensador do nosso tempo.
No quesito da autonomia, reside o fato de adquirirmos conhecimento, estabelecermos
contatos sociais, laços afetivos e construirmos uma história. Há também um
tique-taque do relógio para que rompamos a inércia de cumprir metas no momento
idealizado socialmente: idade para irmos sozinhos para a escola, para viajarmos
sozinhos, para namorar, para entrar para a faculdade, para o mercado de
trabalho, idade para se casar, para ter filhos, para se aposentar, etc.
Porém, o lado mais cruel de todas
essas idealizações tradicionalmente construídas nas sociedades ocidentais
pós-modernas é o estabelecimento, o padrão de idade para sermos mais felizes, frequentemente,
atrelada a uma faixa etária, muitas e muitas vezes, à juventude. Outra faceta
frustrante dessas idealizações é a ideia de felicidade a uma meta socialmente
construída ao invés de algo personalíssimo. E, assim, o mundo escolhe quando e
a partir de quais metas uma pessoa pode se dizer feliz. Nesse contexto, como
podemos repensar a nossas construções parciais e incongruentes sobre a
maturidade? Creio que compreendendo esse universo de forma mais objetiva e sem
mitos e sem tabus. Analisar, compreender, acolher, cuidar e respeitar.
Portanto, gostaria que este ensaio pudesse ampliar os horizontes dos leitores
para esse olhar amoroso sobre a maturidade e os idosos, considerando também o
contexto da pandemia do Covid-19 em que vivemos atualmente.
O DIEESE, que é
o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, abordou
a questão dos idosos brasileiros em seu Boletim Especial de 30 de abril de 2020.
Passarei a considerar alguns aspectos do documento a seguir. Segundo o boletim,
a definição de idoso diz respeito a pessoa com idade a partir de 60 anos (com
base na Organização Mundial da Saúde – OMS). O DIEESE alerta que, com cenário
da Covid-19, os idosos fazem parte de um dos grupos com maior propensão a morte
em decorrência da doença. Além disso, segundo o boletim, conhecer o perfil da população
de idosos no país é fundamental para que as gestões públicas possam tomar
decisões nas diferentes esferas do governo.
De acordo com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE (citado no boletim do DIEESE), no quarto
trimestre de 2019, de um total de 210,1 milhões de brasileiros 34.000.000 eram
idosos. Isso corresponde a 16,2% da população do país. Ainda segundo o IBGE, nesse
âmbito, 34,5% dos domicílios brasileiros tinham pessoas com 60 anos ou mais, ou
seja, mais de um terço dos lares brasileiros já tinham idosos.
Porém, o que salta aos olhos, nesses
dados estatísticos, é que uma boa parcela dos nossos idosos continuam a
trabalhar. É uma decisão que deveria depender de vontade própria, mas a
realidade nos mostra que muitos trabalham porque precisam compor renda familiar
ou pelo fato de a aposentaria não ser o suficiente para uma vida digna, que
possa incluir os cuidados com a saúde, por exemplo. Sendo assim, o IBGE apurou
que 22,9% da população com 60 anos ou mais de idade estava estavam trabalhando
e representavam 8,2% dos ocupados do país. Já sobre a questão da renda, 24,9%
dos domicílios no Brasil têm pessoas de 60 e mais anos que contribuem com mais
de 50 % da renda domiciliar com aposentadorias, pensões, rendimento do trabalho
ou de outro tipo.
E,
embora os dados estatísticos sejam relevantes para se analisar o perfil do idoso
brasileiro, para se conhecer melhor essa faixa importante e grande da nossa
população, não se deve ignorar a dignidade da pessoa humana, ampla e constitucional,
estendida a todos os cidadãos, sem distinção.
Vale lembrar que o preconceito com
base em estereótipos, contra a pessoa madura, ou
contra determinado indivíduo ou grupo de pessoas em relação à sua faixa etária
é definido como etarismo. A publicidade e os meios de comunicação precisam estar atentos a esse público e aprender a valorizar a
beleza e os interesses de todas as faixas etárias sem discriminação.
Além
da sociedade e do mercado de consumo e de bem estar, é necessário que a preservação
da saúde, física e mental dos idosos seja importante pauta da gestão pública,
principalmente, neste difícil momento em que o Brasil passa a contabilizar a
tragédia sem precedentes de milhares de mortes diárias pela pandemia do novo
coronavírus, avassaladora com a população idosa e também na faixa etária antes
dos 60 anos: os óbitos nessas faixas têm tido o maior percentual. E assim,
nossos idosos estão partindo, deixando um vazio nas famílias e no país, em um
momento da vida que deveria ser de tranquilidade e alegria após uma vida
inteira de lutas.
Ainda que se faça o isolamento
social, são os mais jovens que acabam levando, na maior parte das vezes, o
vírus para dentro de casa. É por isso que devemos apurar o olhar para os mais
vulneráveis, tendo a consciência de que todo cuidado é pouco, tendo carinho e
dedicação aos mais velhos e experientes.
Que todos tenham a sabedoria de
entender que todas as vidas devem ser preservadas. O único caminho para que a
mensagem se transforme em atitudes tem a base no amor, na gratidão e na coragem
do entendimento do que é coletividade, na lucidez de valorizar o laço entre os
mais novos e os mais velhos em uma família.
Sobre esses laços, na vertente
literária, o sensível escritor e grande contador de estórias, Mia Couto, aborda
a relação dicotômica entre o mais velho e o mais novo, a partir de um avô, seu
neto e o rio. Trata-se do conto “Nas Águas do Tempo”, em que a passagem do
tempo é representada pelo rio. E assim o rio é a metáfora da passagem do tempo,
e, por conseguinte, da própria vida.
Todas as experiências entre o neto e
o avô foram importantes como ensinamento de vida, e que depois, o neto passaria
para seu filho. É essa sabedoria que perpassa as gerações que mantém vívida a
necessidade de laços e de preservação de raízes familiares. Ela constitui-se em
um valor imensurável na estrutura social e da vida.
Enfim, é uma bela maneira literária
de tratar o existencialismo filosófico, em algo que sempre intrigou o homem
desde a sua origem: a passagem do tempo. E haja coragem, mas também alegria em
saber que estamos envelhecendo, mas bem, pois, só não envelhece quem já morreu.
Portanto, no envelhecimento devemos
ver abundância de vida! O brilho da maturidade, a beleza da experiência e a
leveza de enxergar a vida após tantos desafios e realizações, tanta coragem e
amor empreendidos, felizmente, tem sido resgatado. O autocuidado, as atividades
físicas, intelectuais e laborais, o redescobrir do amor e do afeto têm trazido
novos contornos para a satisfação em ser experiente e vivido.
Na vastidão do tempo do Universo, somos um grão de areia. Entretanto, experimentamos o amor e uma vida familiar, profissional e social neste mundo que nos faz dimensionar a intensidade da força criadora e o quanto importa os laços das gerações e todos os seus atores, sem distinção. Que nesses tempos difíceis possamos refletir e valorizar esses laços! Que não falte nem amor e nem coragem para atravessarmos essa tempestade juntos aos nossos! E que no percurso do rio da vida tentemos nos lembrar de Mia Couto, que nos ensina: “Tenho de viver já, senão esqueço-me
Neuza , minha amiga , maravilhoso texto. Parabéns! Deus abençoe!
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