Una mujer sola contra el mundo: Um pouco sobre Flora Tristán
Neuza de Oliveira Marsicano
Considerações Inicial
Há uma tendência
contemporânea do resgate da memória de Flora Tristán, que deixou um legado
imenso de ativismo social e bases reflexivas filosóficas para um mundo mais
fraterno: não apenas obras, como por exemplo, o romance escrito pelo Prêmio
Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa:
O Paraíso na Outra Esquina; "Flora Tristán, Una Filósofa Social"
de Conxa Llinas Carmona; a obra de Brigitte Krülic sobre Flora; como também em
artigos na França e no Peru, além da tendência atual de seu nome estar em ruas,
organizações e escolas de ajuda feminina mundo afora.
Quem foi Flora?
Após um período de pesquisas, leituras
e reflexões, parecem inesgotáveis os debates sobre a autora, que, antes de
tudo, um ser que carregou a bandeira da esperança. Nascida na França, em 7 de
abril de 1803, seu pai era militar aristocrata peruano e sua mãe nascida na
França, refugiada em Bilbao na época da Revolução Francesa.
Flora cresceu em um lar em Paris
frequentado por personalidades influentes e intelectuais. Mas, como nem tudo
são flores, apesar de seus pais terem se casado diante de um padre na Espanha,
o procedimento não foi considerado válido para as autoridades e leis francesas,
uma vez em que não haviam se casado no civil.
Sendo assim, ela não foi reconhecida
como herdeira legal de seu pai, embora seu irmão fosse vice-rei do Peru. Daí
uma sentença que poderia ser: uma mulher bastarda, depois, órfã, pobre...como
teria educação? Mas o que superaria tudo era sua força interior: Flora era
autodidata.
Casou-se aos
17 anos com seu patrão, um homem violento com o qual viveu durante 4 anos, e a
deixou com dois filhos para criar e um no ventre. Essa adversidade, naquele
período, fez com que fosse vista por sua mãe como uma prostituta, por ser uma
mulher, e, sem rede de apoio familiar, precisou trabalhar muito para criar seus
filhos. A caçula, Alina, veio a ser a mãe do artista francês Paul Gaugin.
A obra de Flora Tristán
Após vários trabalhos,
Flora conseguiu um emprego com uma família inglesa com quem viajou pela Europa,
visitando o Reino Unido pela primeira vez. Ao voltar para a França em 1839,
logo em seguida, publica "Passeios em Londres", uma obra em que denunciou
as desigualdades que presenciara, denunciando os aristocratas e o sistema
capitalista por essa injustiça. Esse trabalho foi pedra fundamental do
incipiente movimento socialista, porém, a sua bibliografia talvez não ficasse
tão conhecida se não fosse uma viagem feita em 1833 ao Peru, cujo resultado
mais relevante foi sua obra emblemática: “Peregrinações de Uma Pária”, de 1838.
O motivo da viagem, de acordo com a própria Flora era: "ir para o Peru e
refugiar-me no seio da minha família paterna, esperando encontrar lá uma
posição que me fizesse voltar a entrar na sociedade".
Com seu espírito livre, Flora atravessou o oceano
sozinha, acompanhada por 18 homens, ainda que fosse incomum e perigoso uma
mulher viajar desacompanhada naquela época, sendo recebida na casa majestosa da
família e desfrutando de muito conforto nos 8 meses em que esteve no Peru.
Apesar disso, seu tio deixou claro que ainda a considerava uma bastarda e que
ela não teria direito a nenhum bem da família.
É interessante notar que ela havia
partido da França como uma lutadora e rebelde que sonhava em recuperar seu
lugar perdido na aristocracia, porém, retornou ao país em 1834 já como uma
revolucionária determinada a conquistar com a força das palavras um lugar justo
para todos.
A visão de Flora sobre mulheres
independentes era ambiciosa, e isso ficou claro já em seu primeiro livro,
"Da Necessidade de Acolher Mulheres Estrangeiras", de 1835, que, de
acordo com Krülic, nele, "ela imagina maneiras de ajudar as mulheres a
viajar".
Deve-se salientar que Flora lutou por 14 anos pelo seu
divórcio, e esse desafio inspirou a publicação de "Petição para a
Reintegração do Divórcio", onde ela detalha a luta por essa causa que
encarou na vida pessoal, bem como pela abolição da pena de morte.
Entretanto, "Peregrinações de uma Pária" foi o
texto que lhe abriu as portas em Paris. Porém, em Arequipa, a obra foi
rechaçada com queima pública do livro, pois suas descrições do Peru em meados
do século 19 ofenderam seus anfitriões no país. Anos depois, a obra foi
reavaliada pelos historiadores peruanos e, nas primeiras décadas do século 20,
foi acolhida como literatura peruana.
Enquanto ficava famosa, seu ex-marido, Chazal perseguiu-a
nas ruas e a espancou. Além de ter tentado tomar a custódia dos filhos na
Justiça. Alina precisou ficar escondida após ser vítima de um sequestro pelo
próprio pai. Após Chazal ferir Flora gravemente com um tiro, é que ele foi
preso. Enfim Flora e Alina estavam livres.
Alguns anos depois, Flora abordaria a
questão do consentimento amoroso e da liberdade de movimento das mulheres no
espaço público, algo arrojado para a época, assim como todas as suas ideias
feministas e revolucionárias.
É de suma importância destacar que a escrita de Flora era concisa e concreta por uma razão prática: pelo fato de os trabalhadores terem uma jornada de trabalho muito longa, muitos não sabiam ler e precisavam ser abordados em uma linguagem simples que os incitasse à ação. Essa forma de pensar a estrutura textual foi inovadora para a época, e a diferenciou dos socialistas de sua época, incluindo Karl Marx, que se inspirou nela, mas nunca a citou.
A
última viagem
Ela se autodeclarou "apóstola do
Sindicato dos Trabalhadores", viajou pela França em 1844 com suas ideias
libertárias e foi perseguida pela polícia da época. Esse fervor foi imensamente
apreciado. Seis meses depois, morreu, em Bordeaux, incapaz de terminar seu tour
pela França.
Seu túmulo resume muito bem o Zeitgeist de Flora Tristán, tão avançado e disruptivo: as pessoas por quem havia lutado gravaram: "Em memória da senhora Flora Tristán, autora de 'A União Trabalhadora', os trabalhadores gratos. Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Solidariedade".
Como Flora Tristán via a América
Latina
Falar de Flora é entender a fusão de
uma vida pessoal de uma mulher em uma época de extrema opressão feminina,
adicionando sua condição deexcluída: pela família, pelas condições financeiras
e pela sociedade patriarcal. Apesar de um panorama desfavorável, ela resistiu e
trouxe ideias inovadoras com seu olhar atendo e à frente de seu tempo, sempre
driblando as adversidades em uma trajetória em que rumava a outros países por
diversos motivos, mas sempre com algum fruto de ideias a serem disseminadas
através de seus livros.
Em sua viagem da França, país em que
morava, até a América Latina, onde sua família paterna vivia, não se sabendo
claramente se tratar de uma busca de uma condição financeira menos atribulada
ou se era uma busca de legitimidade mediante sua condição de bastarda, pois, o
casamento de seus pais não foi reconhecido civilmente.
Fato é que, ao viajar, empunhava um
diário, já se revelando escritora e anotando suas impressões sobre a América
Latina. Esse recordatório de vida de Flora trouxe muitas revelações, segundo
Amarante (2010), sobre a condição feminina dos lugares por onde ela passou como
também sobre a vida social e política desses espaços.
Ela narrou o cotidiano das mulheres,
dos escravos e senhores no Peru, país em que passa uma temporada junto aos
familiares por parte de pai. Ela desembarca em uma nação libertada da Espanha
há dez anos, porém, com uma conservação da estrutura feudal, com instabilidade
política e as lutas pelo poder. As intrigas, revoltas militares, dissoluções de
convenções constitucionais em proveito de certas classes, faziam parte do
cotidiano dos peruanos (AMARANTE, 2010).
Havia no país a oposição entre dois
grupos étnicos: os crioulos, donos de grandes plantações, elitizada,
descendentes diretos dos conquistadores espanhóis, da qual a família de Flora
fazia parte, e os negros, escravizados ou alforriados, que trabalhavam nessas
plantações. Já os índios, por sua vez, eram poucos na parte costeira, embora
bem representados em Arequipa, cidade dos Tristans, de acordo com a própria
Flora. Cada olhar de Flora sobre tais grupos, embora ela tenha se aproximado
mais de seu grupo de origem, auxilia na construção das imagens de Flora sobre
diferentes opressões femininas, de acordo com as variações étnicas dentro de um
sistema escravocrata.
Desde quando desembarcou, Flora
observa e escrevia sobre as mulheres em sua missão. Quando Flora considera que
o casamento é o único inferno que reconhece (AMARANTE, 2010) em sua jornada, é
pela observação de uma submissão feminina sem fronteiras: “Aqui, pensei, as
mulheres são, pois, pelo casamento, tão infelizes quanto na França; também
encontram, nesse elo, a opressão, e a inteligência com que Deus as dotou
permanece inerte e estéril” (TRISTAN, 2000: 222 apud AMARANTE, 2010).
Dentre outras mulheres retratadas
por Flora, uma se destaca por estar atrelada à história do Peru: Pencha de
Gamarra, e é notável a ela que, em um país onde poucas mulheres marcaram
presença política, o destino da presidente pareceu fora do comum aos olhos de
Flora, pois, desde 1823, Sr. Gamarra, presidente da República, governava sob as
ordens de sua mulher, Senhora Pencha, que para a escritora era uma mulher
forte, fora do comum e carismática.
Sobre os índios, Flora se refere a
eles com respeito, descrevendo-os como humildes e silenciosos, suaves,
sensíveis e extremamente respeitosos da natureza e da fauna. Porém, ao visitar
as escravas nos engenhos de açúcar, fica chocada com a crueldade com que vê
duas mulheres trancadas na cadeia por terem deixado suas crianças morrerem de
fome. Em Lima, admira os costumes, trajes como também o caráter independente
das mulheres (AMARANTE, 2010).
Apesar do olhar de uma europeia, os
textos de Flora, de acordo com Amarante (2010), “constituem um testemunho fiel
e corajoso do que foram dez meses passados num país marcado pelo despotismo e o
fanatismo, pela miséria, corrupção e a hipocrisia que incidiam diretamente
sobre a vida das mulheres”.
Tudo isso ajudou a autora, ao voltar
para a França republicana, a entrar na luta social, pois, divulgou partes de
seu diário através de artigos sobre a condição feminina no Peru, além de
publicar duas petições: "Petição para o restabelecimento do divórcio"
e "Petição para a abolição da pena de morte", listando injustiças,
segundo Amarante (2010), incluindo a discriminação jurídica da mulher, algo que
a fez sofrer consequências por boa parte de sua vida, dada a dificuldade de se
divorciar e se livrar de um marido violento.
Já se passaram 179 anos desde sua
morte, e o tema consentimento ainda é de amplo debate na sociedade democrática
contemporânea. Flora questionou em que condições o 'sim" de uma mulher é
dito, se realmente ela teria condições de dizer o "não", algo
correlacionado, por exemplo, com o fato de ter se casado tão nova e sem direito
à escolha.
Perseguida, quase morta pelo marido.
Um quadro desfavorável, mas ela resistiu como uma flor que brota no asfalto.
Desenvolveu o pensamento feminino inovador, de vanguarda, questionador de bases
sociais injustas e opressoras.
Caminhando para o final desse breve
relato sobre a autora, vale citar um trecho, na verdade o início da primeira
nota de orelha do livro “Flora Tristán: Uma Mujer Sola Contra el Mundo
SANCHEZ, 1992):
“Para el mundo
ocidental Flora Tristán (1803-1844) es essa precusora de las organizaciones
obreras de la emancipacióm de la mujer y de muchas causas justas.”
Traduzindo: “Para o mundo
ocidental, Flora Tristán (1803-1844) é uma precursora das organizações
operárias pela emancipação da mulher e de muitas causas justas.” E chama
atenção que Sanchez (1992) fala de Flora com o verbo no tempo presente, ou
seja, seu espírito e seu legado permanecem para o mundo.
Ademais, ela deve sempre
ser lembrada como uma mulher de causas as quais até o momento presente
reverberam em debates sobre igualdade e oportunidade para mulheres: em um
momento em que as novas gerações lutam pela ampliação do lugar da mulher no
mundo e por seus direitos mais fundamentais, ela é uma inspiração para a
resistência contra o patriarcado, deixando um legado de obras fundamentalmente
históricas e também sua própria biografia para que o despertar das mulheres
possa ser potencializado. A centelha que Flora acendeu no mundo, e iluminou
vários caminhos para nós mulheres é extraordinariamente universal e acolhe os anseios
de mulheres de todo o planeta.
Referências Bibliográficas
AMARANTE, Maria Inês. O olhar de Flora Tristán sobre a América Latina: Deslocamentos, descobertas e leituras da condição feminina. Revista Fazendo Gênero (9): Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. Santa Catarina: UFSC, 2010.
SANCHEZ, Luis Alberto. Flora Tristán: Uma Mujer Sola Contra el Mundo. Caracas: Fundacion Biblioteca Ayacucho, 1992.
TRISTÁN, Flora. Peregrinações de uma Pária.
Santa Cruz do Sul. Editora Mulheres e EDUNISC, 2000.
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