“O que me inspira é meu cotidiano.”
Neuza de Oliveira Marsicano
Caro leitor, permeado de
metalinguagem, passo a narrar um pequeno desafio com que deparei, recentemente:
tenho um amor na vida em forma de neto, Matheus, um garotinho esperto e
companheiro (não por acaso, leva o nome do santo que também deu nome ao meu bairro,
meu “pedaço” da Princesa de Minas, minha Juiz de Fora, que tanto exalto). Como
a maioria das avós, gosto de tê-lo no meu cotidiano, e a recíproca é
verdadeira: seja em casa, nos eventos escolares e em passeios por nossa cidade.
Enfim, tenho a alegria de ele residir na mesma cidade que eu.
Desafios de dar um bom exemplo para
filhos, netos, sobrinhos, mesmo os mais nobres, nos assustam. Um pouco, porque
não queremos decepcionar aqueles que fazem parte das nossas vidas, mas, também,
porque sempre somos confrontados com outros olhares das gerações mais novas.
E foi assim que, naquela chuvosa de
quinta-feira, no fim da tarde, tomando café com a vovó Neuza, Matheus abre a
mochila, com aquele olhar de que traria alguma provinha com boas notas ou algum
desenho colorido bem vívido, como de costume, ou alguma história para contar.
Em três segundos, retira um “desafio” para mim: uma folha com pesquisa escolar.
Deveria fazer um passeio com algum familiar por alguns lugares da cidade que
contam alguma história. Desafio aceito! No outro dia: tour marcado com
Matheus!
Manhã de sexta-feira: sol tímido,
tempo fresco, cheiro de café coado e agasalho. Selecionei, mentalmente, os
lugares que percorreríamos, naquela manhã, ali no bairro São Mateus: uma praça,
uma escola, a Igreja de São Mateus e as galerias. Ele acha pouco. Afirmo que
irá se surpreender! Também penso em passar a registrar o passeio em pequenas
anotações, em tópicos. Repassar com ele ao chegar em casa, pois, ele deveria
contar um pouco das histórias do local aos coleguinhas. Tenho uma intuição:
“Por que não transformar esse momento em conto? Afinal, vale a pena que o
máximo de pessoas saiba das riquezas, por vezes, “escondidas” do bairro.” Sim,
leitor, eu converso com a minha intuição. Atire a primeira pedra quem nunca…
Seguimos em frente, um sol gostoso,
seguimos em direção à praça Jarbas de Lery Santos, onde, além do parque
infantil (em que Matheus possa brincar) e aparelhos de ginástica, é realizada a
Feira de Artesanato Permanente do São Mateus, aos sábados. Nela, é possível
encontrar os melhores artesanatos da cidade, assim como produtos de pequenos
produtores. Porém, a praça também fica movimentada com outros eventos de fim de
semana, tais como festivais de cerveja artesanal. Sentamo-nos, um pouco; o menino
é curioso, gosta de entender como tudo começou: explico que o bairro é um dos
mais antigos de Juiz de Fora, um dos mais próximos do Centro e cheio de
histórias para contar.
Mãos dadas e a caminhada da praça
até a Igreja de São Mateus. Mateus pergunta se já é domingo. Uma graça! Explico
que acho que é uma das igrejas mais bonitas de nossa cidade, que podemos – e
que é até muito bom – ir sempre que quisermos, não apenas aos domingos. Digo a
ele para contar para os coleguinhas sobre a Festa Julina da Igreja de São
Mateus, que acontece há décadas, sempre muito organizada e animada, com dois
dias de festa, quadrilha de dança e pescaria. Matheus vibra mais uma vez.
Ele se encantou com os vitrais
iluminados pelos raios solares refletindo a imagem dos apóstolos. Explico que,
talvez, ele já tenha reparado que, à noite, os vitrais recebem as luzes por
holofotes. Diz que sim, mas me pergunta se são feitos de pedras preciosas.
Respondo que são de vidro mesmo, mas que têm uma preciosidade na beleza e na
magia da fé, da paz do espaço. Percorremos outros cantos da paróquia.
Observando em volta da Igreja, entramos na moderna Capela de Oração Imaculada
Conceição; já no adro oposto à Capela, paramos para o Matheus observar – e se
encantar com – os peixinhos na Gruta Nossa Senhora de Lourdes, construída
recentemente, idealizada pelo Padre Geraldo Dondici. Meu neto me diz que já me viu em oração e
acha que a vovó fica com o rostinho feliz. Eu falo que só agradeço por tantas
coisas boas em minha vida, e que ele é uma dessas preciosidades. Ah! como o
afeto nos renova!
Continuando a caminhada, entramos na
Vila Irineu José Afonso, em uma cafeteria, encontramos com Francisco Irineu
Del’ Duca, proprietário do Atelier São Judas Tadeu, que fica na mesma vila. Foi,
então, que conheci a história daquele lugar situado no centro do bairro,
enquanto Matheus se diverte com os gatos que ali passeiam tranquilamente.
Observo que a vila, hoje, preserva os traços desde o seu surgimento: casas
baixinhas, calçada de pedras, cercada de plantas... uma sensação de estar em
alguma vila de cidade praiana ou histórica, mas me lembrou muito da cidade de
Colônia do Sacramento, no Uruguai. Matheus se encanta com a tranquilidade do
lugar, mas permanece sentado, na grama, entretido com os pequenos felinos.
É uma grata surpresa como, aos
poucos, o lugar tornou-se um centro de cultura e de lazer em cada cantinho. No
caso do ateliê de artes sacra, onde parei para conversar com Francisco, dentre
outras histórias, ele me conta que aquele lugar foi um dos cenários do filme
“Zuzu Angel”, uma tocante obra cinematográfica nacional que narra a história da
estilista que dá nome ao filme e sua luta incansável para encontrar seu filho
desaparecido, preso, injustamente, no período da ditadura militar no Brasil. Francisco
descreve, com emoção, sobre a filmagem do drama biográfico em que Patrícia
Pillar faz o papel de Zuzu. Ele mostra a foto da atriz, sentada em um cantinho,
à mesa, no ateliê.
Ainda na vila, em meio àquela
arquitetura neocolonial charmosa e colorida, meu neto já anda sem mãos dadas
comigo, sentindo liberdade, entrando nos locais, apontando tudo o que vê de
diferente. Ele mostra até o que nunca havia reparado antes nas decorações do
local, diz que irá dar nomes aos gatos brevemente, quando ali voltarmos. Fico
feliz por ele querer voltar lá. Mais espaços, mais surpresas ali: ateliê com
arte de papel que agrega sala de curso de francês, paisagismo, cafeteria
artesanal, culinária inclusiva, dentre outros. Fico sabendo que haverá festa
julina no local, o Arraial da Villa. Matheus se anima e, o que seria apenas uma
atividade escolar interessante, se desdobra em um cronograma de futuros
passeios com ele. Mas ele não deixa para depois tirar uma foto ao lado da
parede onde está a pintura em vitral do Gato Lynus, um lindo registro também na
história do meu neto.
Não poderia deixar de destacar a livraria
“Banca Vera”, muito bem montada com autores independentes, e que lembra as
bancas de livros nas ruas da já
mencionada Colônia do Sacramento, no Uruguai. Paula, idealizadora da banca,
explica, com entusiasmo, que o objetivo do espaço é movimentar os artistas
locais para aquele espaço cultural. A própria vila já foi retratada em
belíssimos quadros de artistas da cidade.
De repente, ao sairmos da vila,
chegando ao movimento do bairro, a sensação de voltar do túnel do tempo. Nesse
retorno à parte movimentada do bairro, passamos na galeria cujo nome é
sensacional: “Galeria Secreta”. Em seguida, parada para um sorvete, conforme
prometido. Caminhamos pela rua São Mateus até à Escola Estadual Fernando Lobo.
Conto ao meu neto que aquela escola é centenária, muito bonita e tem um ensino
excelente. A beleza daquele prédio escolar é inspirada na arquitetura das casas
alemãs. Juiz de Fora possui muito dessa influência, em virtude de seu processo
de colonização. É bom que o bairro tenha esse traço em algumas edificações para
nos lembrar de sua história.
Ao atravessarmos a rua em frente à
escola – a movimentada rua São Mateus – para seguirmos para casa, meu pequeno
observou e aprendeu um pouco sobre a sinalização do guarda de trânsito.
Educação para a vida acontece a todo o instante.
Um passeio inesquecível para ele,
para mim, e espero que, para todas as pessoas que possam vir a ter ou já têm o
privilégio de conhecer esses cantinhos do meu bairro, que conto porque são
cantos que encantam. E que haja mais cantinhos para desvendar, por toda a Juiz
de Fora, nossa Princesa de Minas, infinitamente, assim como é infinita a
criatividade do homem.
No fim do tour, o que mais me
surpreendeu ficou para os últimos minutos daquela manhã: a criança, com toda
sua capacidade de observação e sensibilidade, com sua alma pura e inocência, me
surpreende quando me disse que foi quase tudo muito divertido, interessante e
inesquecível, mas que reparou algo que o deixou triste. Ele me contou que
queria que as pessoas de uma família que ele viu dormindo na rua tivessem uma
caminha gostosa como a dele. Respondi que há muita gente no bairro se
movimentando para ajudar, e que devemos sempre participar das obras de caridade
ao próximo, mas que ainda, infelizmente, as pessoas em situação de rua são
muito invisíveis aos olhos da sociedade. Acredito que as novas gerações poderão
agir melhor na sociedade e se sensibilizar mais com o sofrimento do próximo.
“As crianças, mesmo dentro de sua inocência, sabem observar as coisas e tenho
certeza de que, em seus coraçõezinhos, tudo fica gravado para sempre.’”
(Cléa
Gervason Halfeld – trecho do livro Bate
Coração –, 1999)
E, assim, ficamos por aqui, meu
prezado leitor: tenho certeza de que ele contou muito bem a história dos
lugares e cantinhos em que estivemos naquela manhã. Da mesma forma, creio que
ninguém aproveita mais um passeio, por mais que seja um dever de casa, e
ninguém entende mais de gente, de humanidade, do que uma criança.
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