terça-feira, 7 de setembro de 2021

      Reflexão Atual sobre Tempo, Maturidade, Coragem e Amor

Neuza de Oliveira Marsicano

“A vida é muito curta para ser pequena.”

(Benjamin Disraeli)

 Falar sobre a vida e a passagem do tempo é, acima de tudo, falar sobre amor e coragem. A experiência do amor é inefável: desde o ventre, em que o filho consegue, após algumas semanas, identificar a voz materna. É antes disso que começa a passagem do tempo, pois, a concepção já é o ponto de partida para a contagem do tempo para se prever o parto. Nesse contexto, é interessante notar que, em alguns países do Oriente, como a Coreia do Sul, o bebê já nasce contando um ano de idade. Já a coragem nasce conosco, eu creio, desde o primeiro choro, tão forte, quando nascemos, e, assim, sinalizamos a vida, marcando a nossa presença, naquele momento, por nós mesmos.

            O tempo passa, entre os cuidados recebidos e a aprendizagem da autonomia, desde os primeiros passos, literalmente. Ali já reside a dicotomia da segurança x liberdade, algo que o saudoso Zygmunt Bauman tratou de forma brilhante como pensador do nosso tempo. No quesito da autonomia, reside o fato de adquirirmos conhecimento, estabelecermos contatos sociais, laços afetivos e construirmos uma história. Há também um tique-taque do relógio para que rompamos a inércia de cumprir metas no momento idealizado socialmente: idade para irmos sozinhos para a escola, para viajarmos sozinhos, para namorar, para entrar para a faculdade, para o mercado de trabalho, idade para se casar, para ter filhos, para se aposentar, etc.

            Porém, o lado mais cruel de todas essas idealizações tradicionalmente construídas nas sociedades ocidentais pós-modernas é o estabelecimento, o padrão de idade para sermos mais felizes, frequentemente, atrelada a uma faixa etária, muitas e muitas vezes, à juventude. Outra faceta frustrante dessas idealizações é a ideia de felicidade a uma meta socialmente construída ao invés de algo personalíssimo. E, assim, o mundo escolhe quando e a partir de quais metas uma pessoa pode se dizer feliz. Nesse contexto, como podemos repensar a nossas construções parciais e incongruentes sobre a maturidade? Creio que compreendendo esse universo de forma mais objetiva e sem mitos e sem tabus. Analisar, compreender, acolher, cuidar e respeitar. Portanto, gostaria que este ensaio pudesse ampliar os horizontes dos leitores para esse olhar amoroso sobre a maturidade e os idosos, considerando também o contexto da pandemia do Covid-19 em que vivemos atualmente.

            O DIEESE, que é o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, abordou a questão dos idosos brasileiros em seu Boletim Especial de 30 de abril de 2020. Passarei a considerar alguns aspectos do documento a seguir. Segundo o boletim, a definição de idoso diz respeito a pessoa com idade a partir de 60 anos (com base na Organização Mundial da Saúde – OMS). O DIEESE alerta que, com cenário da Covid-19, os idosos fazem parte de um dos grupos com maior propensão a morte em decorrência da doença. Além disso, segundo o boletim, conhecer o perfil da população de idosos no país é fundamental para que as gestões públicas possam tomar decisões nas diferentes esferas do governo.

            De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (citado no boletim do DIEESE), no quarto trimestre de 2019, de um total de 210,1 milhões de brasileiros 34.000.000 eram idosos. Isso corresponde a 16,2% da população do país. Ainda segundo o IBGE, nesse âmbito, 34,5% dos domicílios brasileiros tinham pessoas com 60 anos ou mais, ou seja, mais de um terço dos lares brasileiros já tinham idosos.

            Porém, o que salta aos olhos, nesses dados estatísticos, é que uma boa parcela dos nossos idosos continuam a trabalhar. É uma decisão que deveria depender de vontade própria, mas a realidade nos mostra que muitos trabalham porque precisam compor renda familiar ou pelo fato de a aposentaria não ser o suficiente para uma vida digna, que possa incluir os cuidados com a saúde, por exemplo. Sendo assim, o IBGE apurou que 22,9% da população com 60 anos ou mais de idade estava estavam trabalhando e representavam 8,2% dos ocupados do país. Já sobre a questão da renda, 24,9% dos domicílios no Brasil têm pessoas de 60 e mais anos que contribuem com mais de 50 % da renda domiciliar com aposentadorias, pensões, rendimento do trabalho ou de outro tipo.

                        E, embora os dados estatísticos sejam relevantes para se analisar o perfil do idoso brasileiro, para se conhecer melhor essa faixa importante e grande da nossa população, não se deve ignorar a dignidade da pessoa humana, ampla e constitucional, estendida a todos os cidadãos, sem distinção.

            Vale lembrar que o preconceito com base em estereótipos, contra a pessoa madura, ou contra determinado indivíduo ou grupo de pessoas em relação à sua faixa etária é definido como etarismo. A publicidade e os meios de comunicação precisam estar atentos a esse público e aprender a valorizar a beleza e os interesses de todas as faixas etárias sem discriminação.

            Além da sociedade e do mercado de consumo e de bem estar, é necessário que a preservação da saúde, física e mental dos idosos seja importante pauta da gestão pública, principalmente, neste difícil momento em que o Brasil passa a contabilizar a tragédia sem precedentes de milhares de mortes diárias pela pandemia do novo coronavírus, avassaladora com a população idosa e também na faixa etária antes dos 60 anos: os óbitos nessas faixas têm tido o maior percentual. E assim, nossos idosos estão partindo, deixando um vazio nas famílias e no país, em um momento da vida que deveria ser de tranquilidade e alegria após uma vida inteira de lutas.

            Ainda que se faça o isolamento social, são os mais jovens que acabam levando, na maior parte das vezes, o vírus para dentro de casa. É por isso que devemos apurar o olhar para os mais vulneráveis, tendo a consciência de que todo cuidado é pouco, tendo carinho e dedicação aos mais velhos e experientes.

            Que todos tenham a sabedoria de entender que todas as vidas devem ser preservadas. O único caminho para que a mensagem se transforme em atitudes tem a base no amor, na gratidão e na coragem do entendimento do que é coletividade, na lucidez de valorizar o laço entre os mais novos e os mais velhos em uma família.

            Sobre esses laços, na vertente literária, o sensível escritor e grande contador de estórias, Mia Couto, aborda a relação dicotômica entre o mais velho e o mais novo, a partir de um avô, seu neto e o rio. Trata-se do conto “Nas Águas do Tempo”, em que a passagem do tempo é representada pelo rio. E assim o rio é a metáfora da passagem do tempo, e, por conseguinte, da própria vida.

            Todas as experiências entre o neto e o avô foram importantes como ensinamento de vida, e que depois, o neto passaria para seu filho. É essa sabedoria que perpassa as gerações que mantém vívida a necessidade de laços e de preservação de raízes familiares. Ela constitui-se em um valor imensurável na estrutura social e da vida.

            Enfim, é uma bela maneira literária de tratar o existencialismo filosófico, em algo que sempre intrigou o homem desde a sua origem: a passagem do tempo. E haja coragem, mas também alegria em saber que estamos envelhecendo, mas bem, pois, só não envelhece quem já morreu.

            Portanto, no envelhecimento devemos ver abundância de vida! O brilho da maturidade, a beleza da experiência e a leveza de enxergar a vida após tantos desafios e realizações, tanta coragem e amor empreendidos, felizmente, tem sido resgatado. O autocuidado, as atividades físicas, intelectuais e laborais, o redescobrir do amor e do afeto têm trazido novos contornos para a satisfação em ser experiente e vivido.

                Na vastidão do tempo do Universo, somos um grão de areia. Entretanto, experimentamos o amor e uma vida familiar, profissional e social neste mundo que nos faz dimensionar a intensidade da força criadora e o quanto importa os laços das gerações e todos os seus atores, sem distinção. Que nesses tempos difíceis possamos refletir e valorizar esses laços! Que não falte nem amor e nem coragem para atravessarmos essa tempestade juntos aos nossos! E que no percurso do rio da vida tentemos nos lembrar de Mia Couto, que nos ensina: “Tenho de viver já, senão esqueço-me



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